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Esse é o motivo para o papa Francisco nunca ter pisado na Argentina nos seus 12 anos de papado

1News Brasil

A morte do papa Francisco na última segunda-feira (21) reacendeu um dos maiores mistérios de seu papado: por que, em 12 anos de pontificado, ele nunca voltou à Argentina, seu país natal? A ausência do primeiro papa latino-americano em solo argentino, mesmo com tantas viagens à América Latina, continua sendo um ponto sensível para muitos de seus compatriotas, que o admiravam, mas também se sentiram, em algum momento, ignorados ou decepcionados.

Segundo reportagem da BBC, quando deixou Buenos Aires em 2013, o então arcebispo Jorge Bergoglio não imaginava que aquela seria sua última vez em sua terra natal. Aos 76 anos, um ano acima da idade habitual de renúncia dos bispos, Francisco não era considerado favorito à sucessão de Bento XVI — e, por isso, esperava uma aposentadoria tranquila.

Francisco não esperava ser papa

O mundo, e ele próprio, foram surpreendidos. Eleito pontífice, Bergoglio iniciou um papado que se estenderia por mais de uma década. Segundo o ativista Gustavo Vera, amigo pessoal de Francisco, o papa imaginava que seu pontificado seria curto. “Ele pensava que seriam quatro anos, por causa da idade, ou porque talvez tivesse que abdicar devido a um derrame ou algo assim“, disse Vera à BBC News Mundo. Ainda assim, durante todo o período, manteve uma conexão forte com seu país por meio de cartas e audiências frequentes com argentinos no Vaticano. “Seu coração sempre esteve na Argentina, de alguma forma”, afirmou Vera.

Mesmo assim, o papa jamais retornou fisicamente à sua terra. A ausência se tornou mais notável com o tempo, sobretudo porque Francisco visitou quatro dos cinco países que fazem fronteira com a Argentina — Brasil, Bolívia, Paraguai e Chile — e também outras nações latino-americanas como México, Cuba, Peru e Equador. Em 2018, ele justificou não ter incluído a Argentina e o Uruguai numa viagem porque muitos conhecidos “estavam de férias”. A explicação não convenceu boa parte dos fiéis, que viam na ausência um afastamento mais profundo, quase simbólico.

Polarização política afastou Francisco

A relação entre Francisco e os argentinos, que começou com entusiasmo e orgulho, foi se desgastando com os anos. Em 2013, o pontífice tinha aprovação de 91% no país, segundo o Pew Research Center. Em 2024, essa taxa caiu para 64%, com um salto nas opiniões negativas, de 3% para 30%. A desilusão, ao contrário do que se possa imaginar, pouco teve a ver com a atuação de Francisco durante a ditadura militar (1976–1983) — tema controverso, mas já amplamente discutido e, em certa medida, esclarecido por depoimentos e publicações recentes. O verdadeiro motivo parecia mais profundo: uma sensação de rejeição por parte de uma figura que, aos olhos de muitos, deveria representar todos os argentinos.

Segundo Vera, a decisão de não visitar a Argentina foi pensada. De acordo com ele, o verdadeiro motivo da ausência do pontífice foi que ele queria evitar que sua presença fosse usada para fins políticos. “Eu sempre disse que iria à Argentina quando sentisse que era um instrumento para contribuir para a unidade nacional, para ajudar a superar o racha, para tentar unir os argentinos novamente“, relatou o ativista, citando as palavras do próprio papa. O “racha” a que ele se referia é a histórica polarização política do país, especialmente entre peronistas e antiperonistas, ou, mais recentemente, kirchneristas e antikirchneristas. Francisco era frequentemente associado à ex-presidente Cristina Kirchner, sendo apelidado nas redes de “Francisco K”, embora tenha negado veementemente qualquer filiação política. “Nunca fui filiado ao partido peronista, nem sequer fui militante ou simpatizante peronista. Dizer isso é mentira”, afirmou o pontífice em seu livro O Pastor, publicado em 2023.

Para alguns, a ausência de Francisco diante de uma das piores crises econômicas da história recente da Argentina — com inflação próxima dos 300% e aumento drástico da pobreza — foi especialmente dolorosa. “Sinto que ele se esqueceu um pouco do nosso país“, disse à agência AP a aposentada Francisca Campos, uma das fiéis que rezavam por ele em frente à catedral de Buenos Aires, pouco antes de sua morte. Já para outros, o papa apenas tentou proteger sua figura de um uso político que ameaçaria sua autoridade moral. O próprio pontífice disse em setembro de 2024, ao voltar de uma viagem pela Ásia e Oceania: “Eu gostaria de ir. É a minha casa, mas ainda não está decidido. Há várias coisas para resolver primeiro”.

Ainda assim, sua ausência foi frequentemente comparada a um símbolo de distanciamento. “É como se Jesus nunca tivesse pregado em Jerusalém”, escreveu um usuário na rede social X. Outros, como o congressista libertário José Luis Espert, chegaram a acusá-lo de ser “um grande defensor da pobreza que se sente muito confortável com uma Argentina miserável”. Já para líderes sociais, como Toty Flores, Francisco foi “um exemplo de humildade, comprometimento e justiça social”, alguém que se recusava a se curvar a conveniências políticas, mesmo que isso lhe custasse críticas internas.

Um papa do mundo

No fim, Francisco foi um papa do mundo. E essa universalidade talvez tenha exigido dele o sacrifício de não se prender a um único território — nem mesmo à sua terra natal. “Na política, alguns comemoram. Outros, nem tanto. Todos ficarão aliviados: de certa forma, Francisco era um ‘problema’ para todos. Isso diz mais sobre nós do que sobre ele”, refletiu Flavio Buccino, diretor da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de Buenos Aires. A ausência do papa na Argentina será sempre lembrada, mas talvez diga mais sobre o país que o perdeu do que sobre o pontífice que optou por não voltar.

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